ESÙ O MENSAGEIRO


Exú é um Deus da mitologia iorubá e afro-brasileira. É a divindade mais controversa do panteão afro-brasileiro, talvez por ser o mais intrinsicamente humano de todos os orixás. Ele é o Mensageiro dos Deuses, seu poder é o de receber e transportar os pedidos e oferendas dos seres humanos ao Orum, o mundo dos Deuses. É o Senhor do caminhos, das encruzilhadas, das trocas comerciais e de todo tipo de comunicação. Exú também é conhecido como Legbá, Elegbá, Eleguá (nos países de língua espanhola) e Bará. Conta um mito que Exú Yangi foi a primeira divindade a adquirir existência individual.

'' O ar e as águas moveram-se conjuntamente e uma parte deles mesmos transformou-se em lama. Dessa lama originou-se uma bolha ou montículo, primeira matéria dotada de forma,
um rochedo avermelhado e lamacento. OLORUN admirou esta forma e soprou sobre o montículo, insuflando-lhe Seu Hálito e lhe deu vida. Desta forma, a primeira dotada de existência individual, um rochedo de Laterita, era Esu Yangi. ''


Por isso, ele é o movimento inicial e dinâmico que leva à propulsão, ao crescimento e à multiplicação. Não se sabe ao certo sua região de origem na África, porém seu culto é universal. Segundo um mito, Oxalá, o Deus Criador, estava para criar o universo, mas enfrentava diversas dificuldades diante de tão grandioso feito. Então, Exú o aconselhou a fazer o sacrifício de cento e um pombos como ebó. O sangue dos pombos purificaria todas as anormalidades. Quando Oxalá ouviu isso estremeceu, pois sua própria vida está ligada à vida dos pombos. No entanto, para que a grandiosa obra fosse levada a cabo, decidiu aceitar o conselho de Exú. Ele guiou Oxalá a todos os lugares onde o sangue deveria ser vertido para que tudo fosse devidamente purificado. O conselho e a ajuda de Exú funcionaram; o universo estava prestes a ser criado. Então, Oxalá agradeceu a Exú e decretou que, daquele dia em diante, Exú fosse sempre louvado antes de qualquer empreitada por toda a eternidade.


Sendo princípio e desordem criativa, Exú também provoca confusão e arma encrencas. Outro mito relata que dois camponeses puseram-se a trabalhar cedo em suas lavouras, mas esqueceram-se de prestar contas a Exú. Ele que os havia ajudado tanto nas colheitas ! Então, ele colocou um boné pontudo, de um lado branco e do outro vermelho, e caminhou na divisa das roças, entre os dois camponeses. Ele os cumprimentou e passou. Então, um perguntou quem era o homem de barrete vermelho; e o outro disse que o barrete era branco. Ficaram discutindo sobre a cor do boné até perderem as estribeiras e começaram a brigar. Exú cantava e dançava.
O sincretismo segundo o qual Exú seria o Diabo cristão não começou aqui. Os primeiros colonizadores europeus na África já o associavam a Príapo ou o viam como a encarnação malévola do maniqueísmo cristão. Em artigo sobre a demonização desse orixá e dos cultos afro-brasileiros, Reginaldo Prandi observa:


'' O sincretismo não é, como se pensa, uma simples tábua de correspondência entre orixás e santos católicos, assim como não representava o simples disfarce católico que os negros davam ao seus orixás para poder cultuá-los livres da intransigência do senhor branco, como de modo simplista se ensina nas escolas até hoje (Prandi, 1999). O sincretismo representa a captura da religião dos orixás dentro de um modelo que pressupõe, antes de mais nada, a existência de dois pólos antagônicos que presidem todas as ações humanas: o bem e o mal; de um lado a virtude, do outro o pecado. Essa concepção, que é judaico-cristã, não existia na África. As relações entre os seres humanos e os deuses, como ocorre em outras antigas religiões politeístas, eram orientadas pelos preceitos sacrificiais e pelo tabu, e cada orixá tinha suas normas prescritivas e restritivas próprias aplicáveis aos seus devotos particulares, como ainda se observa no candomblé, não havendo um código de comportamento e valores único aplicável a toda a sociedade indistintamente, como no cristianismo, uma lei única que é a chave para o estabelecimento universal de um sistema que tudo classifica como sendo do bem ou do mal, em categorias mutuamente exclusivas. ''


A idéia de um mal absoluto é estranha não só aos povos africanos, mas também a outros como os hindus e os orientais, por exemplo. Nas religiões desses povos todos não há uma figura como o demônio judaico-cristão, não há uma guerra declarada entre um bem absoluto e um suposto mal absoluto. Assim como no Budismo e no Hinduísmo, no Candomblé não há a idéia de mal absoluto ou pecado. Bom ou mau são apenas conceitos relativos e intercambiáveis nessas religiões. O que pode ser bom num momento pode tornar-se mau no outro. Pode-se dizer que bom e mau são faces da mesma moeda jogada no tempo e no espaço. Nessas religiões, o ser humano é visto como mais um filho da natureza que, para seu próprio bem, tem de viver em harmonia com ela e com o sagrado que também está nela assim como nele. A natureza não é vista como algo corrompido ou impuro e o ser humano não está exilado, fora dela, ele está nela e é mais um de seus filhos. Talvez sua associação ao Diabo cristão também derive do fato de que Exú é um Deus fálico. Ele representa a fertilidade da vida, o poder sexual, reprodutivo e gerativo, mas como o sexo está sempre relacionado ao pecado e à luxúria no ideário cristão, fica fácil entender de onde vem a tal interpretação deturpada. Nas “religiões da natureza”, o sexo é um ato sagrado. E se ele é sagrado, seus frutos também são. A noção de pecado original seria uma aberração nesse sistema religioso; além disso, um dos ideais do estilo de vida iorubano era ter uma família numerosa e, portanto, o culto a Exú fazia-se essencial. Estátuas que o apresentam com um falo ereto são comuns tanto na África quanto aqui. Ele também é representado pictoricamente com cabelo em forma fálica e portando um bastão de formato fálico, o ogó, e algumas cabaças, que representam os testículos. O ado iran, uma cabaça arredondada de pescoço longo, também é um de seus símbolos. Ela contém o axé, a energia mágica criadora e primordial; basta que ele aponte a cabaça para que o axé seja dispersado.

Como é o intérprete e mediador entre o sagrado e o humano, Exú também rege o jogo de búzios. Esta modalidade divinatória é o principal instrumento de consulta de babalorixás e ialorixás. Diz um mito que Exú era o único que tinha o poder divinatório, mas decidiu compartilhá-lo com Ifá em troca de receber as oferendas e pedidos antes de qualquer outro orixá.
Reza um mito que Exú era filho de Orunmilá, o orixá oracular. O menino Exú tinha fome e começou a devorar tudo que estava a sua frente. Chegou a devorar a própria mãe e foi em direção ao pai. Orunmilá, então, pegou uma espada e foi em direção a Exú, que comecou a correr. Correram pelos nove Orum, a morada dos Deuses, e toda vez que Orunmilá o alcançava, cortava Exú em duzentos e um pedaços, ou seja, em milhares de pedaços incontáveis, que se transformaram em outros Exús. Finalmente fizeram um pacto segundo o qual Exú seria o mensageiro de Orunmilá desde que fosse louvado em primeiro lugar. Este mito ensina que Exú, apesar de ser um, está em todo lugar e em todos os seres. A palavra Exú (em iorubá, Èsù) pode ser traduzida como esfera. O simbolismo do círculo é muito antigo e encontrado em várias culturas: ele representa o infinito, o que não tem começo nem fim e está em todos os lugares… Como se vê, Exú é a base sobre a qual se constrói o edifício filosófico-religioso iorubano. Sem ele, não há como chegar aos outros Orixás; sem ele, não há como chegar ao Deus Supremo, Olorum.
Exú também tem os seguintes epítetos ou atributos: Exú Lonan, o Senhor dos Caminhos; Exú Osije-Ebo, o Mensageiro Divino, Exú Bará, o Senhor (do movimento) do Corpo; Exú Odara, Senhor da Felicidade; Exú Eleru, o Senhor da Obrigação Ritual; Exú Yangi, o Senhor da Laterita Vermelha; Exú Elegbara, o Senhor do Poder da Transmutação; Exú Agba, aquele que é o ancestral; Exú Inã, o Senhor do Fogo.

Um mito muito significativo conta que todos temiam Exú e não havia ninguém corajoso o suficiente que ousasse enfrentá-lo. Ao saber disso, Icú, a Morte, enviou-lhe uma mensagem para que se enfrentassem num duelo. Exú foi a seu amigo Ifá e contou-lhe sobre o desafio. Ifá disse que ninguém podia com a Morte; Exú respondeu que ninguém podia com ele ! Quando o dia marcado chegou foi aquele alvoroço. Todos correram para ver o duelo. Exú bradou seu grito de guerra e foi de encontro a Icú. Embora Exú fosse um lutador forte e habilidoso, Icú era rápido e ágil. Finalmente ele tomou o porrete de Exú e, quando o ergueu para matá-lo, Ifá interveio e tomou-lhe o porrete. Desde então, os homens dizem que Icú, a Morte, é invencível. Esse mito ensina que embora Exú não possa derrotar a Morte, ele é a afirmação da vida.

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